quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Fiz as malas. Deixei-a.




Fiz as malas. Deixei-a.
Depois de uma vida deixei o que nunca foi meu. Nunca foi minha, nunca fui dela. Nunca dela própria chegou a ser.
Durante estes vinte anos assisti à catastrófica decadência daquilo que ela foi. Hoje já não é quem amei. Não a conheço. Durante estes anos vi o sorriso mais bonito do mundo a esfumar-se em olheiras pesadas, em olhares perdidos. Vi o brilho da elegância que tinha a sumir-se num corpo frio e apático. Vi fragilidade naquela que fora outrora a mais forte das mulheres.
Olhei-a com amor e não vi olhar que me amasse.
Deixei-a. Deixei-a por amor e por falta dele. Deixei-a por egoísmo. Deixei-a só, dentro daquele olhar distante que já nada sente, de que já de nada vive, nem vê. Ah, aqueles olhos... Aqueles olhos não vêm, estão algures adormecidos no espaço e não precisam apenas de ser acordados mas de se acordar. Fui cobarde, fui indecente, mas amei-a. Ainda a amo. E por amar deixei-a para que pudesse voltar a ver.
Ontem fiz as malas. Deixei-a.


2 comentários:

Ísis disse...

É um prazer ler-te... e é redutor tudo o que eu possa dizer sobre o que li. Adorei...
Poderá o amor justificar tudo?

r: muito obrigada

Cláudia S. Reis disse...

E talvez deixá-la tenha sido o melhor. Há pessoas certas em tempos errados. Nunca se sabe o que o futuro reserva...